Foto: Jeenah Moon/The New York Times)..

Eles vieram da Colômbia, do Chade, do Burundi e também do Peru, Venezuela e Madagascar. Ouviram falar que havia em Nova York um paraíso para imigrantes — um lugar para viver e se reerguer. Ao chegar, encontraram outro cenário.

Dias depois, eles ainda estão enfileirados, do lado de fora do centro de acolhimento de imigrantes da cidade, no Hotel Roosevelt, na esquina do terminal Grand Central. São quase 200 pessoas, quase todos homens, dormindo na calçada, com a cabeça apoiada em bolsas e sacolas de lixo ao lado com alguns pertences. São as faces visíveis de um sistema que oficialmente está desestruturado.

Por mais de um ano, números recordes de imigrantes chegaram a Nova York, vindos de todo o mundo, quase dobrando a população sem-teto da cidade de uma vez só. Mais de 100 mil pessoas vivem em abrigos, hoje, em Nova York.

Diferente de outras cidades americanas, especialmente no oeste, onde milhares vivem nas ruas por falta de opção, Nova York é obrigada por lei a oferecer um teto a quem pedir. Mas, agora, os abrigos estão cheios. Como os imigrantes continuam a chegar, a cidade montou tendas, reuniu um portfólio de hotéis e prédios de escritórios transformados em moradias e deu passagens para que os imigrantes procurem outros locais. Nada disso foi suficiente.

O prefeito pediu ajuda estadual e federal, alegando que a cidade está sobrecarregada. E as autoridades estão, cada vez mais, contestando a obrigação legal da cidade de abrigar pessoas sem-teto.

Imigrantes chegam de vários países em busca de abrigo em Nova York, que é obrigada por lei a acomodar os solicitantes de asilo — Foto: Jeenah Moon/The New York Times
Foto: Jeenah Moon/The New York Times

Mohammadou Sidiya, de 20 anos, da Mauritânia, na África Ocidental, aguardava, ao lado de um amigo, na terça-feira de manhã. Eles viajaram por mais de um mês para chegar à cidade.

Em árabe e com a ajuda de tradução digital, Sidiya disse que eles vieram em busca de segurança — e falharam, ele completou.

Seis metros a frente, uma placa em tom alegre parecia uma provocação: “Bem-vindos ao centro de recepção! Estamos lotados.”

A passagem de Nova York de um local que estava conseguindo lidar, com dificuldade, com um fluxo incessante de solicitantes de asilo para um lugar que se declara derrotado foi rápida.

Na semana passada, ainda havia leitos suficientes para permitir que a cidade cumprisse com sua obrigação de abrigar todos os solicitantes. Isso deixou de ser verdade em algum momento, ao longo do fim de semana, sem que nenhum autoridade oferecesse uma explicação.

— Não há mais lugar — disse o prefeito, Eric Adams, na segunda-feira, completando que — de agora em diante, é ladeira abaixo.

Josh Goldfein, um dos advogados da Legal Aid Society, que entrou com o processo que gerou o direito a abrigo, há mais de 40 anos, disse acreditar que as pessoas estavam dormindo na rua, em parte, porque o prefeito quer pressionar Washington a mandar mais ajuda e desencorajar a vinda de novos imigrantes.

 Há muitas formas da cidade abrigar a todos que estão naquela calçada, se for isso que eles querem fazer — afirmou o advogado.

O porta-voz do prefeito Fabien Levy disse, na terça, que os 194 locais que a cidade abriu para receber solicitantes de asilo estavam lotados.

— Nossa equipe fica sem vagas todo dia e fazemos o nosso melhor para oferecer acomodações quando temos espaço disponível — disse Levy. O porta-voz acrescentou ainda que a cidade vai ganhar dois grandes centros de ajuda humanitária nas próximas semanas, incluindo uma mega tenda com capacidade para mil pessoas, no estacionamento de um hospital psiquiátrico estadual, no distrito do Queens. A cidade estimou que o custo com imigrantes vai passar de US$ 4 bilhões [R$ 19 bilhões] em dois anos.

Levy disse que terça-feira foi o primeiro dia em que o centro de acolhimento de imigrantes não conseguiu oferecer um espaço coberto, mesmo que fosse para sentar em cadeiras. E afirmou que, em outras noites, qualquer imigrante que tenha dormido na calçada o fez por escolha própria. O porta-voz lembrou ainda que as pessoas podiam ter acesso a ônibus com ar condicionado para saírem do sol.

Atrás de Sidiya na fila estava Erick Marcano, um trabalhador da Venezuela. Ele disse que estava ali desde sábado e que, nos três dias seguintes, andou o equivalente a um quarteirão, da esquina da rua 46 até a da rua 45. Contou que usou o tempo para fabricar um chapéu para se proteger do sol usando uma caixa de papelão com um buraco no meio para encaixar no seu boné de baseball.

Marcano cruzou a fronteira alguns dias antes de chegar e recebeu ajuda de um grupo que atua em defesa de imigrantes.

— Nos perguntaram no Texas onde nós queríamos ir nos EUA e que iriam pagar a passagem e nós dissemos que queríamos vir para cá, para Nova York — contou.

Do lado de fora do centro de acolhimento, ele conta que dizem apenas para ter paciência e esperar. No fim do quarteirão, na entrada do hotel Roosevelt, famílias com crianças pequenas entravam e saiam. A cidade priorizou fornecer abrigo a eles, para que apenas adultos fiquem do lado de fora.

O governador republicano do Texas, Greg Abbott, fretou alguns dos ônibus que trouxeram pessoas para Nova York, para botar pressão nas lideranças do partido Democrata, apesar da vasta maioria dos imigrantes ter chegado por outros meios.

Na terça-feira, a Legal Aid Society ameaçou levar a cidade de novo aos tribunais. Goldfein disse ainda que a governadora do estado de Nova York, Kathy Hochul, também precisa oferecer mais recursos e ajuda para que as pessoas sejam acomodadas rapidamente.

— Temos esperança que o estado vai reforçar e cumprir suas obrigações e, também, que a cidade vai fazer algumas mudanças no que estão fazendo para tirar as pessoas da rua.

Ao longo da tarde, Ariana Diaz, de 34 anos, recém-chegada da Venezuela pela Baja California, entrou no fim da fila. Ela pagou uma passagem de avião para ir da Costa Leste a Nova York, esperando por uma recepção mais calorosa. Diante da pergunta sobre onde passaria a noite, a venezuelana só teve uma resposta desoladora.

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