A República se debate em uma de suas piores crises institucionais. A galhofa desenfreada com os recursos do erário está na base do problema, que ganhou proporções gigantescas. Os governos petistas, que se sucedem desde 2002, lograram o êxito de institucionalizar todas as práticas imorais e ilícitas da política. Não as inventaram, por óbvio, mas com tanto e carinho e dedicação as trataram, que elas ganharam vulto e se esparramaram até pelos canais mais ínfimos do organismo nacional, a ponto de já não se poder distinguir entre o que é petismo e o que é bandidagem. Os dicionários se incumbirão dessa nova sinonímia.

Agora foi admitido pelo presidente da Câmara Federal o pedido de “impeachment” da presidente da República. É fato gravíssimo, a merecer a reflexão de quantos ainda se sentem imbuídos do civismo necessário para respeitar seu próprio país. Pessoalmente não tenho dúvidas de que a atual Presidente já não reúne condições (políticas ou morais) para permanecer no cargo. Tantos foram os desmandos praticados nos seus governos e nos de seu idolatrado antecessor e mentor, que não dá mais para esconder a completa insatisfação popular. Por outro lado, esse incidente constitucional de indiscutível relevância, que é o impedimento do governante maior, está sendo tratado como simples moeda de troca entre facções rivais. O deputado Eduardo Cunha, ele próprio uma figura execrada, acolhe de forma preliminar o pedido, não porque o mova o patriotismo ou algum senso de dever (nele, são coisas impensáveis), mas simplesmente porque a outra parte do bando está igualmente articulando a queda dele próprio. Busca, pelo que se vê, mera compensação, algo assim como “vocês querem me derrubar, eu os derrubo primeiro”. Ou, em versão popular mais conhecida: “Mateus, primeiro os meus, depois os teus”.

APátria não merece isso. O impasse que se nos defronta há de ser resolvido com base em normas técnicas e científicas e não pelo simples argumento da intolerância e/ou da insatisfação. Ponto um: o processo de impedimento tem legitimidade? Basta visitar a Constituição da República para ver que ele está ali previsto e que, portanto, não se trata de expediente de mera conveniência. Ponto dois: estão presentes as hipóteses em que a Carta autoriza a deflagração de processo de tamanha gravidade? Vamos por etapas. O “impeachment” poderá ser estabelecido se o Presidente cometer o que se chama de “crime de responsabilidade”. Como tal, a Constituição considera os atos do Presidente “que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do país; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.

Não vem ao caso adentrar a especificidade típica dos crimes dessa categoria, como feito em lei especial, por expressa recomendação da Carta. Mais importante é verificar se o comportamento da senhora Dilma Roussef, na presidência do país, permite pelo menos vislumbrar ofensa a algum dos valores elencados na Lei Maior, conforme enumeração acima.

Sei que não é do tempo dela, mas vale mencionar o mensalão como prova inequívoca de ofensa ao livre exercício do Poder Legislativo. A compra de votos de parlamentares é mácula insuperável no processo legislativo, por isso que evidencia que a manifestação de vontade foi viciada pelo suborno. Vai daí que já tive oportunidade de escrever: “uma lei, em cujo processo de votação parlamentar, tenha ocorrido o fenômeno, estará irremediavelmente contaminada. A teoria do “devido processo legal”, também aplicável ao Legislativo, terá sido sumariamente desrespeitada, produzindo entes de absoluta ilegitimidade, mas que, apesar disso, têm o condão de controlar nosso comportamento, dizendo-nos o que podemos e o que não podemos fazer”. Como se vê, o impedimento já deveria ocorrido com Lula.

Mas, o que dizer de ofensa à “probidade na administração”? Aqui, dona Dilma entra no mato sem cachorro, porque probidade administrativa é algo de que, à evidência, ela nunca ouviu falar. Os desmandos ministeriais, a escancarada troca de favores oficiais, tudo está a demonstrar que esse governo jamais teve o mínimo de respeito com a coisa pública, misturando interesses partidários com o que interessa à Nação e, o que é pior, dando prioridade àqueles. Na mesma linha, o item ofensa à “lei orçamentária”. Quando vieram a lume as chamadas “pedaladas fiscais”, a ponto de até o TCU contra elas ter se manifestado, o governo Dilma exibiu uma de suas facetas mais perversas: a de enganar o povo com demonstrações orçamentárias falsas e levianas, induzindo-nos a acreditar em uma situação que estava longe de ser a real.

Por tudo isso, tenho que o “impeachment” é legal e vale a pena ser desejado, apesar do trauma que, naturalmente’, há de causar. Mas, o que não pode, o que não podemos deixar acontecer, é que esse processo tenha como mentor alguém do quilate e do tope de Eduardo Cunha. Isso seria desastroso porque jogaria lama na fonte mesma de onde brota a indignação cívica.

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