Felix Valois

A decisão tomada por sete ministros do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, é insustentável sob o aspecto técnico-jurídico e deplorável sob a ótica do Estado Democrático e de Direito. Traduz-se em rendição incondicional aos apelos sensacionalistas de certa imprensa e aos vulgares clamores do populacho que, desorientado politicamente, ecoa os sons de um punitivismo exacerbado, insistindo no desmoralizado chavão de que o cárcere é a solução para todos os nossos problemas.

Com os meus cinquenta anos de advocacia criminal, chorei de tristeza e revolta diante do absurdo praticado por sete pessoas que estão investidas na obrigação de zelar pelo texto constitucional. Meu sobrinho, e também advogado, Luís Eduardo Valois igualmente se indignou e escreveu texto, com o título “Decisão Medieval”, que merece ser transcrito por sua oportunidade e cabimento. Ei-lo:

“Nos distantes tempos, entre os anos de 476 e 1453, de nossa era, a humanidade viveu o que a cronologia oficial decidiu chamar de idade média. Segundo relatos dos mais variados especialistas no assunto, foi a época das trevas, sendo, inclusive, neste período, o auge da repressão da igreja católica, onde pessoas eram queimadas, acusadas de heresia, bruxaria, ou simplesmente pelo fato de discordarem dos dogmas então oficiais.

Os métodos de tortura utilizados para obter confissões que agradavam ao pontífice ou a monarca de plantão, eram os mais diversos e requintados, bastando citar o garrote vil e o touro ardente, onde o “condenado” queimava vivo, para deleite do torturador. Felizmente para nós, homens civilizados, esses tempos já se foram. Será que se foram mesmo?!

Ontem, dia 18 de fevereiro de 2016, em pleno século XXI, os jornais de nossa Cidade publicaram que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, singelamente jogou às favas um dos maiores e mais fundamentais princípios insculpidos a Carta Política, o da presunção de inocência, aquele que consigna que nenhum brasileiro ou estrangeiro, residente nesta Terra de Santa Cruz, pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da C.F.).

O plenário do Pretório Excelso, por sete votos a quatro, entendeu que um cidadão ser preso e começar a cumprir pena, ainda na pendência de recursos, não fere o texto constitucional. Então, o que fere?

Os defensores da decisão bradam que ela representa um grande passo para o fim da impunidade, argumento, no mínimo leviano, pois o que, talvez, inibisse a criminalidade seriam medidas de cunho social, adotadas com o fito de diminuir a abissal distância de qualidade de vida entre a classe privilegiada e os desvalidos de nossa sociedade, estes últimos, os únicos destinatários da reprimenda oficial.

Francamente, se a decisão tivesse sido concebida no medievo, ou em algum Tribunal do III Reich, nenhuma surpresa se faria à sociedade, mas, ela emanou da Corte que deveria ser o último suspiro dos que se veem envolvidos com a dita persecução penal.

Ainda que não fosse advogado, estaria eu revoltado, como estou, com tamanha insensatez, com tamanha punhalada dada sem dó e pelas costas, no povo brasileiro, este mesmo povo que deve estar aplaudindo essa selvageria, é o mesmo povo que pode, um dia, precisar que se respeite o princípio ora atacado.

Resta-nos esperar que os Tribunais, numa atitude altiva e independente, descumpram a decisão do Supremo e respeitem a Constituição”.

Tenho apenas a acrescentar que a Constituição da República Federativa do Brasil não é um livro de receitas culinárias. Mas como tal foi tratada pelos sete ministros. Nas receitas, é comum certa margem de discricionariedade para quem as aplica. Algo assim como “sal e pimenta a gosto”. Disso não se pode cogitar em se tratando da aplicação de um preceito constitucional. Ainda mais quando o preceito de que se trata é de uma clareza que dispensa interpretação, não se admitindo, muito menos, a hipótese de ser relativizado. Querem ver? O texto é o seguinte: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O que será que os ministros não entenderam desse singelo enunciado? Está ele escrito em escorreito vernáculo e o único componente técnico é a expressão “trânsito em julgado”. Acontece que qualquer acadêmico de direito, por bisonho que seja, já lhe sabe o significado logo a partir do primeiro ano de escola superior. Não seria necessário, portanto, que, para figuras de “notável saber jurídico”, se acrescentasse a explicação: “Considera-se transitada em julgado a sentença de que já não caiba qualquer recurso”. Muito pelo contrário, seria ofensivo. Pelo visto, porém, seria conveniente. Talvez se tivesse evitado o supremo despautério.

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