O jogo vai começar e o que está em disputa é uma taça chamada Brasil. Não tenho muita certeza de se algum dos atletas em campo, e são vários, tem noção da importância do troféu. Desde que foi oficialmente criado, já lá se vão mais de cinco séculos, ele já mudou de mão diversas vezes, o que, por si só, dá uma ideia de seu valor, na medida em que explica a ambição de muitos que o cobiçam. Afinal de contas não é a toda hora que alguém pode se gabar de tê-lo conquistado, ficando com o direito de exibi-lo no salão nobre de sua agremiação. Como os portugueses o inventaram, passaram com ele a maior parte do tempo. Mas acabaram por perdê-lo, a partir do momento em que um deles se deu conta de que poderia abiscoitar o prêmio para si próprio. E assim o fez, passando, desde então, a preciosa taça ser guardada alternadamente por mãos de origem e tendências diversas, com nomes curiosos como monarquia, república, ditadura e suas inevitáveis subdivisões, qual república velha e estado novo. Todos com um ponto comum: uma vez abocanhado o troféu, ninguém pensa nem de longe em abrir mão dele. É muito querido o Brasil, já se vê.

Nas quatro últimas disputas, saiu vencedor um time misto, composto pela mistura de jogadores petistas e peemedebistas. Havia, é claro, atletas menos cotados, oriundos de times da segunda e da terceira divisões, mas estes raramente eram chamados para o jogo, ficando ociosamente na reserva remunerada. O técnico dessa mixórdia era, e ainda é, um senhor chamado Lula, de origem operário, exercendo seu nobre ofício na metalurgia de São Paulo. Desgostoso por ter perdido um dedo das mãos em desastrosa operação com certa máquina industrial, cansado com o salário que, até então honestamente, recebia, deliberou alargar seus horizontes e, sabedor da existência do campeonato sazonal em que se disputa o Brasil, decidiu que não tinha por que ficar fora da competição. Se assim pensou, melhor o fez.

Estudou com afinco as regras do jogo, passou noites indormidas tentando compreender todos os mecanismos, técnicas e táticas que se empregam, lícita ou ilicitamente, na disputa e chegou a uma sábia conclusão: “Com os times que estão aí, eu não me crio. Tenho que fundar um novo, um em que eu mesmo mande e não seja contestado por ninguém. Um em que eu seja dono, diretor, técnico e jogador ao mesmo tempo”. Surgiu o PT. Deu-lhe seu inventor uma roupagem no mínimo inusitada. Como brotou em plena ditadura militar, o novo prócer político percebeu que o momento era de contestação e se travestiu de revolucionário esquerdista, ao fito de conquistar a fatia do eleitorado que jamais compreendeu ou aceitou o verdadeiro sentido dos partidos que empunham a bandeira do socialismo. Tão bem se houve o nosso herói que, ainda hoje, apesar de tudo o que se passou depois, ainda existe gente por aí (por certo produto do cruzamento de água parada com arame farpado) que ainda pensa que o técnico Lula é comunista. T’arrenego. Não aceito a ofensa.

Perdeu o PT vários campeonatos. Até que, vendo que sozinho não ia a lugar nenhum, o técnico contratou reforços do PMDB, time em que até eu dei as minhas pernadas. Disso não me orgulho nem faço alarde. Mas é verdade. Pois muito que bem: assim reforçado, veio a conquista da taça pelo PT, para gáudio de seu mentor. Implantava-se uma nova época. Proclamou-se que a miséria ia ser extirpada de terras brasileiras e que todos os gentios iam poder fazer três refeições diárias. Era o desfraldar da bandeira da igualdade social, tão grata a todos quantos são dotados do mínimo de bom senso.

Foi alarme falso. Metendo os pés pelas mãos, o novo detentor do troféu confundiu oportunidade político-social com recebimento de benesses e implantou um sistema pestilento de paternalismo e assistencialismo, cujo único efeito foi camuflar a situação deplorável em que se encontravam os espectadores. Bolsa família, bolsa universidade, cota racial, cota sexual, tudo foi inventado e cultivado, menos, por óbvio, o respeito ao mérito e à capacidade. E muito menos ainda o incentivo à educação verdadeira, pública e gratuita, sem o que não há país que progrida.

Paralelamente a isso, a roubalheira mais desenfreada de que já se teve notícia. Ficou rico o técnico, ficaram ricos os seus e tantos quantos entraram no jogo. E o panorama não mudou de feição mesmo quando o treinador foi formalmente substituído no cargo, pela simples razão de que a substituta nada mais era que uma senhora sem vontade própria, que nem sabia por que havia sido promovida.

Tantas fizeram que ocorreu a cisão. O time que tinha entrado como auxiliar criou olho gordo e achou por bem reivindicar a taça. Essa é a razão do jogo que vai ser disputado no domingo, na Praça dos Três Poderes. Pelo que se lê, os atletas estão em profunda concentração, certos de que não encontrarão corpo mole nas hostes adversárias, cada time cuidando de aprimorar o preparo físico e financeiro. O “bicho” está sendo pago antecipadamente, não importando o resultado. Compram-se descaradamente, por dinheiro ou por promessas, os votos dos que vão entrar em campo. Pelo visto, vai ter gol roubado, com direito a xingamento da mãe do árbitro. Vai valer gol de mão e marcar impedimento é coisa de que não se cogita. Triste espetáculo. Só espero que o vencedor tenha a decência (coisa difícil) de erguer a taça bem alto, com a compreensão de que, entre os espectadores, há gente que, de coração e com amor, respeita a taça.

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