O jornal O Globo, na edição de terça-feira passada, publicou entrevista com o deputado Paulo Maluf (PP-SP), da qual me chamaram a atenção os seguintes trechos: “Fico revoltado e enojado com essa política de compra e venda. Não tem necessidade disso. A atuação do governo tem que se dar no campo da defesa jurídica. Eu era contra o impeachment. Agora, estou absolutamente contra também essa negociação de cargos que o PP está fazendo. A gente tem que votar por convicção e não porque recebeu um emprego. Estou revoltado com isso. Vou estudar o processo. Ler a defesa e tomar minha decisão. Estou realmente triste em ver esse leilão de cargos. Hoje estou na coluna do meio”.

Voltei ao texto várias vezes para conferir se eu estava lendo de maneira correta, ou se minha percepção estava afetada por um algum efeito ainda desconhecido desse vírus que anda nos atormentando. Seria a Zika ou aquilo era verdade? O Maluf dando lição de moral? Era verdade. Até Sua Excelência, o ilustre parlamentar paulista, houve por bem desancar essa prática imoral que o governo petista vem aplicando desde os tempos do mensalão, ainda no primeiro governo de seu líder maior. Maluf travestido de varão de Plutarco! Quem diria! Sinal dos tempos. Vai já aparecer algum fanático, proclamando que estão para soar as trombetas, anunciando o apocalipse. E teremos que entender e engolir esses atos tresloucados porque a República, efetivamente, está indo de mal a pior, numa situação nunca vista em terras de Santa Cruz.

O Executivo brinca de governar. A Presidente, qual Ismália enlouquecida, não toma conhecimento da tragédia político-social em que conseguiu envolver o país. Do alto de sua torre, vê uma lua no céu, vê outra lua no mar, e quer a ambas. Não consegue perceber, pobre sandia, a inviabilidade do desejo. Quer porque quer ficar e pronto. Que se dane o resto. E fica sustentando sua farsa com a ajuda de ministros que não se pejam de descumprir acintosamente as deliberações de seus respectivos partidos. Lá estão alguns peemedebistas apegados à carniça, apesar do formal e solene afastamento da sigla. É o cenário de fundo de uma tragicomédia, encenada à custa da paciência e do sacrifício de todo um povo. Pouco importa para os tais ministros que seu partido já não faça parte do governo. Eles querem continuar fazendo, a qualquer custo, estando longe de mim supor que se trate de amor à chave do cofre, por isso que prefiro debitar tal fraqueza a um acendrado espírito público. Seus trabalhos, apesar de só poderem ser detectados por potentes lentes telescópicas, estão aí mesmo para dizer quem são esses impertérritos membros do gabinete presidencial.

No Legislativo, a pândega é geral. Renan Calheiros e Eduardo Cunha presidem as duas casas congressuais. O que mais podemos querer em termos de lisura e honradez no processo de elaboração de leis? Apesar dos feitos criminais a que respondem, esses dois grandes homens públicos hão de sempre encontrar mecanismos que lhes permitam o escorreito cumprimento de seus deveres cívicos. Pouco se lhes dá que os Conselhos de Ética das instituições a que pertencem estejam a examinar seus desempenhos, algumas vezes, talvez, transbordantes dos limites da decência. Eles se põem acima do bem e do mal, porque, com razão, se sentem intocáveis dentro da redoma que lhes conferiu um sistema deturpado. Cunha e Calheiros. Bem que poderia ser nome de dupla sertaneja, com a certeza de que esta, especificamente, estaria a justificar, por sobejas razões, a utilidade maior que o cantor Lobão vislumbrou para as espingardas de dois canos.

E o que dizer do Judiciário? A circunspecção de Nelson Hungria e Ribeiro da Costa, a sobriedade de Evandro Lins e Silva e Hermes Lima, hoje são gratas lembranças, que tenuemente se refletem na atuação de uns poucos membros da Corte

Suprema. Boquirrotos, alguns não se contêm e emitem claras opiniões pessoais sobre assuntos políticos e jurídicos que, muito provavelmente, estarão um dia sob o crivo do tribunal. A isenção que deve ser inerente à toga deixou de ser artigo de primeira necessidade para se transformar em mercadoria de varejo. Não é à toa, por isso, que, em escalões inferiores, a ânsia pelos refletores seja o norte condutor de alguns juízes e membros do Ministério Público. “Quem não aparece não é lembrado”, é o dito popular encampado por alguns desses homens da lei e, na busca pela exibição, o vale tudo de instala, fazendo-se tábua rasa de elementares garantias constitucionais.

Assim segue a República. “Impeachment”, bradam uns. “É golpe”, respondem outros, todos esquecidos de que a ordem jurídica implantada a partir de 1988 custou o sangue e o suor de milhares de brasileiros. Observadas, com rigor, as regras estabelecidas na Carta que surgiu naquele ano, parece óbvio que a decretação do impedimento do chefe do Poder Executivo está longe, muito longe, de ser um golpe.

De minha parte, depois de ver aflorar o moralismo essencial do deputado Paulo Maluf, não me surpreenderei se o Bush for indicado para o Nobel da Paz, a ser entregue no mesmo dia em que o Tiririca abiscoitar o respectivo de Literatura. Por isso, a só coisa que quero é ter o meu país de volta. Devolvam o meu Brasil. Devolvam já e levem para bem longe a estupidez, a cizânia e a incompetência com que temos sido brindados nos últimos treze anos.

Artigo anteriorEntidades pedem isenção de IR para trabalhadores com deficiência em audiência na OAB/AM
Próximo artigoEstados avaliam exigências da União para o refinanciamento das dívidas